Prefeitura de aquidauana quer fechar serviço que atende pessoas com HIV de 5 cidades

 / Izabela Sanchez

Ainda sem anúncio oficial, a Prefeitura de Aquidauana, a 135 km da Capital, pretende encerrar o SAE (Serviço de Atenção Especializada), atendimento de referência e polo regional no atendimento à doenças infectoparasitórias, e que atende, em especial, pessoas com HIV, o vírus da Aids. O motivo, segundo a gestão do município, é a falta de recursos. O SAE atende outras cinco cidades da região, e a administração de Aquidauana alega 'carregar' sozinha a unidae.

Mesmo sem o anúncio da Prefeitura, circulam pela cidade explicações do secretário de Governo, vereador Wezer Lucarelli (PSDB), e o fim do serviço, que tem gestão financeira da União, Estado e Município, revoltou moradores. O SAE existe há 24 anos na cidade. No local, além de outras especialidades, portadores de HIV encontram atendimento completo, da medicação ao tratamento com especialistas.

Ao Campo Grande News, o secretário declarou que o serviço passaria a ser oferecido no CEM (Centro de Especialidades Médicas), e somente para a população de Aquidauana. Wezer afirmou que o prédio onde hoje funciona o SAE será desativado após o dia 25. Ele nega, no entanto, que a população ficará sem atendimento, e afirma que a equipe de saúde irá migrar para o CEM.

Wezer alega que, hoje, o SAE é mantido exclusivamente pelos cofres municipais, que aplica, segundo ele, R$ 55 mil mensais para manter a equipe no local. Outros R$ 8 mil, afirma, são repassados pelo Governo Federal, mas somente para serem utilizados em propagandas de conscientização. É o que também alega o secretário de Saúde, Eduardo Moraes. Ele afirma que o governo do Estado não faz repasses para o SAE, e, desde novembro de 2016, também não custeia o CEM.

"Desde janeiro estamos mantendo todas as especialidade bancadas com o dinheiro do município. Eu não localizei esses pagamentos [Estado], se teve em algum momento não era dessa gestão. Eu entendo que o repasse da reginalização eu poderia incluir o SAE, mas esse repasse ele também abandonou desde novembro do ano passado. Essa informação é extra oficial, mas é direto do gabinete da SES, não vai vir o atrasado e não vai vir mais", comentou.

Serviço já não funciona.

Toda a questão, no entanto, pode estar permeada pela ilegalidade. É o que alega Almir Machado Guimarães, presidente nacional da Rede + (Rede Positiva de Pessoas Convivendo com HIV). Almir, que também é conselheiro municipal de saúde em Campo Grande, pretende denunciar a Prefeitura de Aquidauana no MPF (Ministério Público Federal) por improbidade administrativa.

Isso porque, conforme explica, os recursos para custear o SAE são aprovados pelo governo do Estado - responsável pela pactuação do atendimento aos outros municípios -, para o ano todo. Mesmo que haja dificuldade financeira, relata ele, o serviço não pode ser encerrado de uma hora para outra.

A data citada pelo secretário de Governo - 25 deste mês - é o dia em que encontram-se os gestores dos municípios junto ao governo do Estado para discutir as pactuações em saúdecom gestão tripartide. "Eu vou manter meu serviço. Nossos pacientes não vão precisar nem buscar medicamento fora. O serviço está funcionando, mas vai ser apresentado que Aquidauna não atendenderá a rede, e a partir do dia 25 vamos cancelar nossa pactuação", afirma o secretário.

Almir, porém, afirma que o serviço já foi encerrado. Segundo ele, pacientes das outras cidades contempladas ligaram para denunciar que foram ao local e não conseguiram atendimento.
"Ele já fechou o serviço, ele já desativou. A infomação é que os pacientes estão chegando para consulta e não são atendidas. Ele deu uma ordem verbal. O que ele está fazendo é uma improbidade administrativa e está ferindo um acordo que foi firmado com Brasília e com o governo do Estado. Ele alega que o governo não repassou o valor. Mas estive conversando com a SES que disse que foi repassado", contou.

Termo pejorativo

Outra questão que incomodou pacientes do SAE é o termo utilizado pelo secretário de governo para se referir aos portadores de HIV. Em áudio que circula pelo Whatsapp, Wezer, ao explicar o encerramento do SAE, se refere aos pacientes como 'aidéticos'.

À reportagem, o secretário confirmou o uso do termo e declarou não enxergar ilegalidade na expressão.

"Eu respondi através de um áudio. Portador de Aids é o que? Eu vivo em um país livre. Onde está escrito que não pode? Tudo é o contexto que você fala. Isso [pejorativo] é uma concepção filosófica, de uma interpretação pessoal.Eu costumo receber e falar com os outros com absoluta tranquilidade. Agora, nós estamos fazendo isso, uma política correta. Acha que se sentiu ofendido, onde você repara direitos? Poder judiciário. Eu tenho que esconder num lugar separado os soropositivos? Eu não entendo isso", comentou.

O termo não é mais utilizado há anos principalmente por ser considerado pejorativo, conforme explica Almir. "Ele enquanto secretário de governo, advogado que é, tem a obrigação de saber que há mais de 15 anos o conselho de Medicina mundial tirou a palavra aidético", declarou. O presidente da Rede + também explica que o SAE não foi criado para separar e discriminar portadores de HIV, mas sim para melhorar serviços de saúde especializados.

"É justamente para filtrar a demanda, é uma melhoria do serviço. O Ministério olhou que o serviço estava inchado, que era muita gente. Só que no SAE são doenças infectoparasitórias, são outras especialidades. Pra não ter entraves, o município vai lá e criou o SAE, assim como há 10 anos criou as UPAS. Dividiu-se o serviço para dar uma melhor qualidade. Se você tem HIV é só no SUS que você trata. A pessoa que está vivendo com HIV, se ele ficar 10 dias sem tomar medicamento, ela volta a ter um caso positivo com protencial pra Aids", explica.

Política nacional - Publicada em 1999, o documento 'Política nacional de DST/Aids - Princípios e diretrizes' explica que, à partir da década de 90, o Ministério da Saúdeintensificou as ações visando à melhoria da qualidade da atenção oferecida aos pacientes portadores de DST, HIV e doentes de aids, "por meio da diversificação das modalidades assistenciais oferecidas".

Conforme explica o documento, antes que um município seja pactuado, há uma triagem de demanda populacional na região para as especialidades que serão ofertadas. Segundo Almir, além de Aquidauana, outras 5 cidades são contempladas com o SAE em Mato Grosso do Sul: Campo Grande, Três Lagoas, Dourados, Ponta Porã e Coxim.

O Campo Grande News entrou em contato com a SES, por meio da assessoria de imprensa, para saber detalhes sobre os repasses à rede de Aquidauana, mas em razão do feriado prolongado, a Secretaria só poderá esclarecer na próxima semana. A reportagem também ligou para o prefeito de Aquidauana, Odilon Ribeiro (PSDB), mas ele não atendeu às ligações.