Expansão de hidrelétricas ameaça ribeirinhos e Pantanal

Fotos: Divulgação/Ecoa /

Volume de água que se altera, alteração do ciclo de chuvas e morte de peixes: na Semana Nacional do Meio Ambiente o cenário descrito ameaça o equilíbrio do Pantanal em Mato Grosso do Sul. Quem aponta as questões são os pescadores e pesquisadores, que acusam as CGHs (Centrais de Geração Hidrelétrica) e PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas) de provocarem desequilíbrio ambiental ao longo da BAP (Bacia do Alto Paraguai).

As usinas contemplam, além de Mato Grosso do Sul, o Estado de Mato Grosso. Em Mato Grosso do Sul existem, hoje, 24 usinas, 2 em construção e 3 em estudo, segundo dados do BIG (Banco de Informações de Geração), sistema de informações da Aneel. Em toda a Bacia, conforme a ONG Ecoa, cerca de 94 empreendimentos são planejados. A ONG elaborou um mapa para acompanhar as usinas.

As outorgas necessitam de pouco estudo, e essa é uma das principais críticas à construção desses empreendimentos, que passam silenciosos pelos governos federal e estadual. A maioria deles é concedida para uso particular de empresas de energia. Chama a atenção, também, a outorga para uso de empresas agropecuárias e até para pessoas físicas.

Pesquisadora da Ecoa e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Local da UCDB (Universidade Católica Dom Bosco), Silvia Santana é uma das vozes críticas aos empreendimentos que, segundo ela, geram pouca energia e não fornecem benefícios às regiões onde atuam.

“Um ecossistema tão complexo e sensível como o Pantanal não suporta o impacto causado por estas 38 barragens, hoje, já em operação. Caso as outras 94 barragens planejadas venham a ser construídas, o Pantanal sofrerá um colapso”.

Dano ambiental

Entre os danos causados ao bioma, a pesquisadora aponta algumas das consequências:

1) “períodos de cheia e seca serão distorcidos, pois não estarão mais condicionados ao fluxo natural dos rios e sim às necessidades de produção de energia elétrica. Em caso de estiagem obviamente haverá retenção máxima de água para geração de energia. O funcionamento ecológico do Pantanal se modificará ainda mais”;

2) “A recomposição das pastagens nativas, base da pecuária regional, será prejudicada tanto por alterações no pulso como na retenção de nutrientes”;

3) “Cairá a produção pesqueira, afetando ainda mais os pescadores artesanais e o turismo de pesca, atividades que mais geram trabalho e renda no Pantanal”;

4) “Todo o Sistema Paraguai Paraná de áreas Úmidas sofrerá consequências, pois esta é a maior área úmida do mundo e distribui-se pelo Brasil (Pantanal), Bolívia, Paraguai, a Argentina e o Uruguai”.

“Basicamente o que acontece quando um rio recebe um empreendimento é que a represa passa a segurar em seu reservatório um volume grande de água para quando necessário gerar energia. Este processo de ‘segurar água e soltar água’ faz com que o rio não mantenha uma constância em seu nível. Ou seja, de manhã o rio pode estar em um determinado ponto com mais de cinco metros de profundidade e do final da tarde, este mesmo ponto estar com a profundidade de alguns centímetros”, explica Silvia.

Comunidades ribeirinhas

Hoje, a vida das comunidades ao longo da Bacia é de miséria, de acordo com a pesquisadora. Os peixes estão desaparecendo.

“Hoje são centenas e centenas de pescadores que não conseguem mais sobreviver da pesca e da coleta de iscas nos rios da BAP. A inconstância do nível dos rios represados impede que o peixe permaneça na região onde estes empreendimentos são instalados”, comenta.

A falta de peixes tem provocado êxodo rural. “Muitos estão saindo do local onde nasceram e viveram toda a vida para trabalharem na periferia de cidades grandes e viverem na mais completa invisibilidade. A vulnerabilidade destas famílias é visível e a também falta de amparo do poder público uma realidade”, comenta ela.

É o caso da pescadora profissional Maria Camila da Silva Oliveira, 45. Há cerca de 8 anos a chegada das PCHs no Rio Coxim, em São Gabriel do Oeste – a 133 km de Campo Grande – alterou de vez a vida da comunidade. “Quando os peixes vêm eles estão pretos e diminuiu muito o número. No ano passado e retrasado não teve nenhum, eu vendia na cidade. Mas agora busco uns bicos para fazer”, comentou.

Nelson Mira Martins, proprietário rural, 62, ofereceu resistência à construção de uma usina em Pedro Gomes, distante 296 km de Campo Grande. A fazenda dele abrange um dos lados da Cachoeira Água Branca. A queda d’água de 86 metros iria desaparecer caso ele autorizasse o empreendimento na fazenda.

“Eles tentaram que eu cedesse, que eu concordasse, eu não concordo que seja destruída, nem parcialmente. O projeto já está em análise no Imasul [Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul]. Mesmo contra a vontade de todo mundo. Está na iminência de ser aprovado. Têm PCHs que estão destruindo a beleza, que é um patrimônio. Ele é mais econômico para o lado de quem está fazendo. Lá é uma PCH que a pessoa não vai despender um recurso grande”, comentou ele.

Na mira do MPF

A facilidade com que as construções são aprovadas pela Aneel e pelos órgãos estaduais – a exemplo do Imasul – é alvo de investigação no MPF-MS (Ministério Público Federal em Mato Grosso do Sul) e MPF-MT (Ministério Público Federal em Mato Grosso).

Em Mato Grosso do Sul, uma Ação Civil Pública é movida contra a Aneel, EPE (Empresa de Pesquisa Energética), contra o governo de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Imasul, Ibama (Instituto brasileiro de meio ambiente e dos recursos naturais renováveis) e União Federal. A ação está centralizada na 4ª Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural e foram as PCHs do Rio Coxim que motivaram a investigação.

Já no MPF-MT, há um inquérito civil motivado por uma comissão da Assembleia legislativa do Estado. De acordo com a assessoria de imprensa do MPF-MT, o objetivo é “apurar irregularidades nos processos de licenciamento ambiental para exploração de usinas hidrelétricas e pequenas centrais hidrelétricas realizadas pela secretaria de estado de meio ambiente nos últimos 10 anos”.

A assessoria explicou que procurador da República em Cáceres, Felipe Mascarelli, determinou que o inquérito fosse adicionado a outras cinco notícias de fato que tratam do mesmo assunto, no âmbito do Rio Jauru, em Mato Grosso.

“Os autos foram remetidos ao setor pericial para análise de perito que trabalhe com sistemas de informações georreferenciadas, sugerindo-se que sejam geólogos, agrônomos, geógrafos ou engenheiros florestais para confecção de informação técnica a fim de analisar se a construção do complexo do Jauru, que compreende PCH Ombreiras, PCH Indiavaí, PCH Figueirópolis, PCH Salto, PCHs Brennand i e ii, e a UHE Jauru”, explicou.

De acordo com o inquérito, as usinas afetam “diretamente o interesse federal” e incidem em Terras Indígenas, Unidades de Conservação e Assentamentos Rurais sob responsabilidade do Incra (Instituto nacional de colonização e reforma agrária).

A Ecoa, de acordo com a pesquisadora, também apura a concessão dos empreendimentos por meio de financiamento do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), em especial àqueles ligados ao agronegócio. “Estamos entrando agora num processo de investigação acerca da relação entre empresas proprietárias de represas, seus pedidos de licenciamento, outras atividades que desenvolvem e os valores que conseguem através de financiamento do BNDES.

O Jornal Midiamax consultou as autarquias responsáveis pelas outorgas, e as que são implicadas nos procedimentos do MPF, mas até a conclusão da matéria, não obteve resposta.